A Mota
“Não tenho medo nenhum”. Mas tinha. O vento a bater-lhe nos olhos com força, as casas a passarem-lhe ao lado como uma pintura desfocada, a curta distância a que passavam dos carros, as curvas mais apertadas que os obrigavam a inclinarem-se para um dos lados, as ultrapassagens sem aquela segurança de estar dentro de uma caixa de alumínio. O seu coração palpitava de medo e ao mesmo tempo um sorriso imenso rasgava-lhe o rosto por debaixo do capacete em tons rosados. Agarrou-se um pouco mais a ele, apesar da noite estar abafada e do vento que os fustigava ser quente como se estivessem num país tropical. Olhou para o céu à procura da lua mas ela andava desaparecida há já uns dias. Nem uma estrela espreitava, por entre as nuvens zangadas que cobriam os céus. Ainda assim, era a noite mais bonita que vira nos últimos tempos. Nunca percorrer aquela autoestrada lhe trouxera tanta felicidade. Chegou a casa com os músculos da cara doridos de tanto sorrir. Tinha medo de andar de mota, sim. Mas o medo era uma sombra fugitiva sempre que o calor do corpo dele encontrava o seu.