Sem Ele
Ela usava uma fita no cabelo todos os dias. A cor variava, consoante a da saia, mas nunca era preta. Ela gostava de cores alegres, de tons vibrantes, joviais. Saía de casa a cantarolar, com um sorriso nos lábios e a pasta do emprego debaixo do braço. Os seus cabelos loiros agitavam-se com os seus movimentos energéticos e acompanhavam a saia que dançava ao sabor da brisa matinal. Pegava na bicicleta e lá ia, não saíndo no entanto nunca de casa sem lhe dar um beijo e lhe desejar um bom dia. Era jovem e tinha dentro dela tantos sonhos que os dedos das mãos não eram suficientes para os contar.
Mas veio o dia em que tudo mudou, e as fitas perderam a cor. Passou a usar apenas uma, negra, que conjugava com uma saia da mesma cor. Todos os dias. Saía de casa de cabeça baixa e lábios descaídos. Os cabelos compridos, outrora cheios de vivacidade, caíam-lhe pesarosamente pelos ombros, nunca mais tendo mostrado sinais de alegria. Agarrava na bicicleta de uma forma automática, a mesma com que passara a executar todas as suas acções. De vez em quando, voltava para trás, julgando ter-se esquecido de se despedir dele. Mas quando entrava em casa e o silêncio se apoderava dela, caía de novo na realidade. Eventualmente, acabou por encolher os ombros de cada vez que pretendia dar-lhe um beijo e ele se encontrava ausente, e eventualmente acabou por repetir o mesmo gesto de cada vez que via passar à sua frente um dos seus sonhos do antigamente. Sem ele, nem as cores, nem os gestos, nem os sonhos, nada fazia sentido.