Estou a aprender a deixar-te ir aos poucos. A cada dia que passa a tranquilidade cresce e nasce uma certeza de que vai aparecer outra pessoa que me mereça. A raiva dissipou-se e foi substituída por uma paz de espírito que há muito não tinha. A mágoa permanece mas é cada vez mais fácil viver com ela e a cada semana que se esgota ocupa um espaço cada vez menor no meu coração. No entanto, há momentos em que o meu subconsciente me prega partidas.
Já não sou capaz de ver uma carrinha Peugeot azul escura sem que o meu coração dê um salto. Ainda me lembro da matrícula de cor (alguma vez sequer suspeitaste que eu a tinha memorizado?). Os meus olhos de imediato se deslocam para a placa na frente ou na traseira da viatura para ter a certeza que não se trata da tua.
No domingo passado eram aos milhares as motas aqui paradas à frente de minha casa. Uma vez disseste-me que também costumavas deixar a tua neste mesmo passeio quando vinhas ver o nosso (nosso? Se calhar nunca houve nada nosso...) Sporting. E eu parecia uma tontinha, a circular por entre as motas enquanto passeava as cadelas, à procura de uma que tivesse uma cor bordeaux e as características da tua. Era quarta feira e sabia perfeitamente que às quartas trabalhas até tarde mas houve uma réstia de esperança que se acendeu no meu coração ao imaginar que poderias estar ali pertinho de mim e que, ao estacionares naquele local, o meu nome te pudesse ter surgido em pensamento.
Estou a deixar-te ir. Há dias que custam mais do que outros, ainda há momentos em que te culpo, me culpo a mim própria, amaldiçoou o universo e tudo o que nele existe. Há instantes em que é impossível não me recordar de algo que se relaciona contigo porque são tantos os sítios onde estivémos juntos, tantas as memórias que construímos nesta cidade e noutras pelos arredores, tantas músicas que ouvimos juntos no teu carro e sonhos que imaginámos deitados na minha cama. O capítulo chegou ao fim, a página até já foi virada. Mas às vezes, por entre esta nova folha que ainda está por escrever, ainda se lêem com grande detalhe todas as palavras de amor que deixámos escritas no coração um do outro.
A poucas semanas de embarcar para uma nova vida, as dúvidas e questões que se colocam são muitas. Sei que tenho alojamento assegurado e o emprego é certo mas existe toda uma panóplia de outras perguntas que se colocam. Tipo:
-Como é que tenho acesso ao sistema de saúde francês no caso de me acontecer alguma coisa?
-O custo de vida é assim tão maior do que em Portugal?
-Tenho que declarar à finanças aqui em Portugal que me vou, mesmo que nunca tenha descontado nada nem pago IRS nem nada dessas coisas das quais, para ser sincera, ainda não percebo nada?
-Vale a pena abrir uma conta num banco francês? Nem sei quais as taxas que são aplicadas aos pagamentos com multibanco e levantamento de dinheiro dentro da UE...
-Estou decidida a ir de carro porque não existem voos directos para Cannes e mesmo que existissem, teria que pagar uma quantia absurda pela bagagem. Já li que posso ter o carro com a matrícula portuguesa a circular por lá durante 180 dias sem problema. Noutros sítios dizem que é um ano. Depois dizem que convém arranjar matrícula francesa e também uma carta de condução de lá. Alguém sabe alguma coisa sobre isto?
Tenho a certeza que as dúvidas irão ser esclarecidas aos poucos e que tudo irá correr pelo melhor mas esta etapa "pré mudança" é tão stressante! No ano passado foi a mesma coisa, com a diferença de que soube que ia para os Estados Unidos com um ano de antecedência e não três semanas!
Domingo há eleições autárquicas. Pela primeira vez na vida, a dois dias de votar, não faço a mínima ideia em quem o fazer. Confesso que nem sequer sei quem são os candidatos à Câmara de Lisboa. Sei que a Assunção Cristas está a concorrer por causa das polémicas todas que houve, que há uma Teresa Leal Coelho a concorrer pelo PSD mas tirando ter visto os cartazes de propaganda, não a conheço de lado nenhum nem sei de onde surgiu de repente e julgo que o Fernando Medina esteja a concorrer pelo PS. De resto, nada, nicles, não conheço ninguém, não ouvi debates, não sei de propostas nem promessas. Ando completamente desligada da política e confesso que, embora defenda muitos dos ideais do partido no qual sempre votei, o PAN, penso que se distanciaram um pouco daquilo que foi a ideia inicial do projecto desde que elegeram um deputado para a Assembleia.
Votar em branco ou nulo também não me diz nada. Só faz as pessoas que estão a trabalhar nas mesas de voto perderem mais tempo após o fecho das urnas. Não ir votar é absurdo. É colocar o nosso futuro nas mãos de outros para depois passarmos mais quatro anos a dizer mal quando nem sequer tirámos o rabo do sofá porque o domingo é para se ficar em casa a ver uma maratona de séries enquanto se enfardam duas pizzas grandes com batata frita a acompanhar.
Portanto só me resta tentar votar minimamente informada, aproveitando para ler umas coisas sempre que o tempo mo permitir no maravilhoso turno de 17 horas que me espera na noite de sábado para domingo e ir votar com consciência (e muito sono), assim que sair do trabalho.
Escrevi aqui há cerca de dois dias pela última vez e parece-me ter sido há um século atrás porque entretanto a vida deu uma volta de 180 graus. Bem, na verdade ainda não mudou quase nada mas avizinham-se tempos de grandes viragens!
Começando pelo mais óbvio: acabo de ser oficialmente Mestre em Medicina Veterinária, ao fim de seis anos de curso, muitas noites mal dormidas, stress, lágrimas, momentos de desespero mas, acima de tudo, seis anos que foram provavelmente os melhores da minha vida (cinco vá, este último ano foi terrível desde que cheguei dos States) e dos quais guardo memórias absolutamente incríveis. Continuo a afirmar e sem dúvida absolutamente alguma que Medicina Veterinária deve ser dos cursos mais engraçados e apaixonantes de se tirar. Nunca teria obviamente conseguido sem a ajuda incondicional dos meus pais e dos meus avós, nem sem o apoio das amigas de sempre e também daquelas que fiz ao longo do curso. Por mais diferentes que os nosso percursos venham a ser, espero que estejam sempre presentes na minha vida e eu na vossa!
Em segundo lugar, ontem fui fazer o meu último treino longo para a maratona. 35 km era o objectivo, apesar do plano de treinos me indicar 32. Como sempre, saí de casa às 6h da manhã, noite cerrada, enquanto grande parte da cidade ainda dormia. Quando cheguei a Belém, parei por uns minutos para contemplar a vista. Amanhecia devagarinho e o céu tinha uma tonalidade rosada lindíssima. Apanhei a ponte 25 de Abril naquele cenário e acabei por colocar uma fotografia no Instagram com a legenda "I belive pink skies mean good fortune", a pensar na defesa da tese no dia seguinte. Prossegui a corrida e lá fiz os 35 km a um ritmo muito bom, indicador de que estou mais do que pronta para fazer esta maratona em menos de 4 horas.
Julgo que alguém lá em cima deve ter visto a minha foto com legenda no instagram porque passadas algumas horas recebo um email muito importante. Passo a explicar: há cerca de um mês atrás, vi um anúncio no Facebook de um hospital em Cannes que estava a aceitar candidaturas para um internato de um ano. Enviei o meu currículo na desportiva e eu acho que gostaram muito do facto de eu falar várias línguas. Quiseram agendar entrevista por Skype. Entretanto, no dia da entrevista, a Amora estava muito pior da coluna e tive que marcar uma consulta de urgência de neurologia. Pediram-me para estar no hospital até às 12h mas eu tinha a entrevista marcada para as 11h/11h30. Essa meia hora passou sem qualquer contacto da parte do pessoal de Cannes e eu desisti de esperar porque naquele momento só me interessava que a minha cadela não estivesse a sofrer. Entretanto já estava no carro com ela e vi que me tinham tentado ligar. Conclusão: acabei por fazer a entrevista à pressa dentro do carro, de telemóvel na mão, com a cadela aflita no banco de trás, lavada em lágrimas por ela estar tão mal, e a pensar "por favor despachem-se que eu tenho uma emergência aqui". E pronto Rita, esquece lá isso que isto foi uma desgraça e não vais voltar a ser contactada...
Qual o meu espanto ontem quando abro o email e tenho uma mensagem do hospital a dizer que querem que comece o internato no dia 25 de Outubro mas que querem que eu vá mais cedo para me ambientar! Portanto, mais três semanas em Portugal, objectivo da maratona a concluir no dia 15, aniversário no dia 19 (faço questão de o passar aqui porque já no ano passado estava nos Estados Unidos e foi bastante triste) e siga para Cannes no dia 20 pela fresca para lá estar no dia 21!
Ou seja, numa questão de dois dias, tudo mudou! Vou deixar o meu emprego na Margem Sul e rumar à aventura como sempre planeei. Na verdade, ir trabalhar para o estrangeiro, nem que fosse por uns tempos, e progredir na carreira sempre foram os meus principais objectivos de vida e foi isso que fiz questão de escrever na carta que enderecei a mim mesma há dois anos e meio atrás (aqui!) e que apenas abrirei daqui a oito. De certa forma, foi melhor que as coisas tenham sido como foram a nível pessoal pois sei que se ficasse em Portugal estagnada por causa de um homem não me perdoaria ao abrir a carta em 2025 e ao perceber que tinha desiludido a Rita do passado.
Depois deste ano de internato, logo se vê o que o futuro reserva. Não gosto de fazer planos a longo prazo, vou onde a minha determinação me levar e sei que, como boa balança que sou, as minhas metas e decisões mudam muito ao longo do tempo, por isso não vale a pena dizer já que quero isto e aquilo após este ano em França.
Espero que continuem desse lado a acompanhar as minhas aventuras e obrigada por todo o vosso apoio!
"I believe pink skies mean good fortune". And so did they!
Acho que só agora caí em mim. Daqui a menos de 48 horas defenderei a tese que porá um ponto final à minha formação académica (pelo menos por enquanto). Só agora é que a barriga começou a doer, o calor apertou e as mãos começaram a tremer porque na verdade ainda não treinei quase nada e estive agora com o meu orientador e ele quer que faça imensas alterações no meu powerpoint.
Darei sinais de vida quando estiver despachada disto. De momento só consigo pensar "socorroooooooooo, porque é que não comecei a preparar isto mais cedo??!" Wish me luck :)
Estava aqui a pensar, Salvador, que nunca te agradeci e que devia fazê-lo já, dado o teu frágil estado de saúde. Agradecer-te por teres ganho o Festival da Canção naquele treze de Maio, por teres trazido luz e alegria ao coração de tantos portugueses, por teres elevado o nome do nosso país bem alto. Não sabes quantas noites adormeci a chorar a ouvir a canção "Amar Pelos Dois". Eu própria também não sei. Mais do que te querer agradecer por teres trazido a taça para o nosso país, quero agradecer-te por teres interpretado com tamanha entrega esta música composta pela tua irmã e por me teres ensinado que não é possível amar pelos dois, não é saudável nem compatível com felicidade alguma. A melancolia transposta na canção é a prova disso e permitiu-me abrir mão daquilo que me estava a destruir por dentro, ainda que depois tenha voltado a cair no mesmo erro por mais algum tempo. Salvador, querido, não é possível amar pelos dois. Por mais que se queira, torna-se impossível remar contra a corrente de forma eterna. Obrigada pelo ensinamento e recupera depressa.
Acabei por nunca vos falar daquele passeio a Sintra que fiz em meados de Agosto com o amigo coreano que conheci na Grécia, e que entretanto esteve em Portugal durante uns dias. Aqui ficam cinco constatações que fiz naquele dia e que guardarei comigo durante longos e bons anos:
1. Sintra é uma vila mágica. Há anos que a Rita não ia a Sintra (tipo uns 12). A Rita tem de ir mais vezes passear a Sintra, nem que seja para enfardar meia dúzia de travesseiros.
2. Nunca, MAS NUNCA, deverá a Rita voltar a Sintra em Agosto. Filas intermináveis, transportes públicos atrasadíssimos e lotados, um calor terrível, muito difícil conseguir tirar uma fotografia sem aparecer um asiático atrás ou ao lado ou até mesmo à frente ou admirar um cenário sem haver um italiano qualquer a gritar-nos ao ouvido.
3. Para se ir a Sintra, é preciso tirar cedo o rabo da cama. A Rita atrasou-se e perdeu o autocarro das 11h por causa de um grupo de franciús (raça esta que não desampara a loja mais as suas axilas fedorentas) que levou dez minutos a comprar os bilhetes. O autocarro do meio dia nunca apareceu e a Rita, às 13h15, decidiu-se a apanhar um Uber. Quando chegou à vila de Sintra já não havia nada a fazer: os mouros e outra estrangeirada já haviam tomado conta das ruas, do castelo, do palácio e dos jardins! D. Afonso Henriques não havia de ficar contente.
4. Quando praticas a actividade "turismar" com um coreano, tens de aceitar: ele vai pedir uma fotografia em cada recanto. Eu disse uma? Perdão, queria dizer VINTE. Sim, aquele rapaz passava-me a sua câmara xpto para a mão de cinco em cinco minutos e depois punha-se a fazer poses que nunca mais acabavam. Põe o chapéu, tira o chapéu, muda a inclinação do chapéu, olhar para o lado, mão debaixo do queixo, olhar para cima, apontar para um sítio qualquer, cruzar a perna, saltar, correr, fazer o pino. Juro que todas estas posições foram executadas e que existem fotos que o comprovam. Juro.
5. Nunca, MAS NUNCA, levar vestido para o Cabo da Roca. Não sei quantas pessoas viram a cueca da Rita (pelo menos era uma cuequinha sexy) mas garanto que foram umas quantas. Levar o cabelo atado também é uma boa ideia. Evita ter que apagar 85% das fotos quando se chega a casa porque não se vê a cara...só um molho de cabelos castanhos ondulando ao sabor da leve brisa put* do vento.
Ele fazia vinte poses diferentes mas eu também fazia umas cinco ou seis! Não há cá almoços grátis
Ainda bem que há barreiras de segurança no Cabo da Roca. Ainda bem que ninguém vai passar as barreiras de segurança e tirar fotos a saltar em rocha irregular, de vestido com um vento dos diabos e o cabelo todo nos olhos. Ainda há gente responsável.
Cabo da Roca. Só tinha ido uma vez e fora só de passagem. É tão bonito
PS: repararam que eu nunca disse o nome do rapaz? Pois, é que não me lembro!! Era qualquer coisa muito estranha que começava com um "S" e ele no facebook usa lá aqueles caracteres chineses estranhos e fico na mesma... Fica "moço coreano", pronto.
Às vezes o amor não chega. E é preciso aceitar. Não vale a pena questionar se era fraco demais ou se existia mesmo de parte a parte. Às vezes é o mais puro e impetuoso dos amores e mesmo assim não chega. Há obstáculos no caminho, a hora não é a certa, o local não é o indicado. E custa. Porque os livros dizem que o verdadeiro amor tudo conquista. Porque os filmes enaltecem este sentimento de tal forma que nada existe capaz de se lhe opôr. Porque ouvimos aquelas histórias de amor em que um dos intervenientes vive na Austrália e ou outro na América do Sul e dá tudo certo. Ou aqueles contos de fadas reais em que aluno e professora com vinte anos de diferença se apaixonam e casam, anos mais tarde.
E pensamos, "porque é que comigo não funciona? Será que o amor que aqui existe não é suficiente?". Culpamos o outro. Ou culpamo-nos a nós próprios. Eventualmente acabamos a fazer ambas as coisas e tudo corre mal. É duro. Custa a interiorizar. Mas há que aceitar, que às vezes, o amor não chega.