Diário de uma Avec #1
E assim nasce uma nova rúbrica aqui no blog, que irá acompanhar as alegrias e as tristezas de uma alfacinha de gema numa aventura de um ano por terras francófonas. Será uma rúbrica onde falarei de burocracias, das dificuldades encontradas como emigrante, de expectativas e do que acontece na realidade.
Se vos dissesse que tive uma viagem até Cannes feliz, estaria a mentir com todos os dentes. Estive a um emigrante de regressar a casa. Mas vamos por partes.
Arrancar no carro e deixar os meus pais para trás foi a primeira facada no coração. Mas já sabia que essa parte ia custar. Lá fui eu, atravessando o país, nevoeiro e chuva dentro e fora do carro. A rádio lá me ia animando de tempos a tempos e ainda ri um bom bocado já não sei com quê. Depois entrei em Espanha e a Comercial morreu. Mais um golpe fundo. As emissoras espanholas são uma bela porcaria.
Parei pouco para descansar. Duas vezes em ambas as fronteiras para atestar e algures no meio da Espanha para comer o meu bacalhau com natas frio (emigra que é emigra leva o farnel, correcto?). Mesmo assim estava a fazer mais tempo do que o previsto porque era uma distância estupidamente grande e o GPS dava-me a duração do percurso para uma velocidade que se não era a do limite máximo, estava lá próxima. Cada vez que via um carro com matrícula portuguesa, era uma festa na minha cabeça. Em Espanha ainda se viam uns quantos mas depois em França já só vi um e mais dois ou três camiões.
Quando ontem cheguei a Toulouse tinha 5% de bateria no GPS e faltavam dez minutos para as 21h, sendo que eu tinha que fazer check in no hotel até essa hora. Enganei-me numa rotunda, entrei outra vez na autoestrada e foi o pânico total. Chorei, maldizi tudo e mais alguma coisa, hiperventilei e por fim ia partindo o carro todo com o nervosismo. Lá cheguei cinco minutos depois da hora, com 3% de bateria, e afinal a recepção fechava às 21h mas havia uma máquina na rua para fazer o check in automático. Nessa noite pensei logo que não ia aguentar um ano longe de casa mas tomei um duche, jantei e depois relaxei um pouco antes de dormir.
Acabei por não pregar olho com o barulho de pessoas a entrarem e a saírem dos quartos, com os carros a passarem na autoestrada ali à frente e também com medo que vissem que tinha uma mala dentro do carro e mo assaltassem. Arranquei hesitante e ao longo do percuso fui abrandando o ritmo de propósito. A verdade é que estava cheia de medo de ter tomado a decisão errada. Quando parei na estação de serviço de Nimes, a 2h30 do destino final, a máquina não queria aceitar o meu cartão para pagar a gasolina e foi nesse momento que pensei "que se lixe o internato, vou voltar para casa". Mas pensei mesmo. A sério. E então apareceu um emigrante português que me ajudou. Deve ter percebido que eu estava a chorar porque foi muito prestável e disse que ia correr tudo bem. E foi esse senhor que fez com que esta publicação não fosse escrita em Portugal.
Depois disso ainda falei com mais um amigo que me incentivou a continuar e a pensar nisto como uma maratona que tem de ser feita km a km e sem estar constantemente a pensar na enormidade que resta para chegar ao final. A partir daí foi tudo mais fácil. Agora já vi o hospital, já desfiz as malas, já comprei comida para os próximos dias. Tenho o meu quartinho, conheci a colega que me vai acompanhar neste ano de internato e já tenho em cima da secretária o porta medalhas que recebi pelo aniversário (só falta mesmo arranjar uns pregos para colocar na parede e exibir as medalhas que também vieram). Amanhã vou correr à beira mar e ficar a conhecer a famosa Promenade de la Croisette. Suspeito que vou correr muitos e muitos quilómetros neste paredão nos próximos tempos. Mas um passo de cada vez. E o primeiro é sempre o mais difícil.