Estranha Sensação Esta
Ele partiu há menos de vinte e quatro horas e já no meu peito se instalou um largo vazio. Estranha sensação esta. Eles entram nas nossas vidas de mansinho e de repente tornam-se quase tudo para nós. Sempre me achei independente de homens, resguardando o meu coração o mais possível, adivinhando já os destroços de um naufrágio emocional. E no entanto, eis-me aqui, deitada nesta cama grande, a contar o tempo para de novo me aninhar no seu peito, depois da noite tombada. Eis-me a sonhar com os pequenos almoços sumptuosos, preparados com carinho, após uma madrugada a receber urgências. Eis-me aqui a ansiar pelos seus beijos na minha testa, olhos, nariz e lábios naquelas manhãs de ronha em que o sol irrompe pelas persianas com brutalidade como se pretendesse fazer-nos sentir culpados por ainda não estarmos na rua. Eis-me a imaginar o resto das nossas vidas a dois, exactamente como nestes dias, ele a cuidar de mim, eu a cuidar dele. Eis-me a pensar num futuro em família quando no ano passado me imaginava com cinquenta anos e ainda de mochila às costas, a saltar de país para país em plena liberdade. Eis-me aqui a concluir que os químicos cerebrais aos quais se chama amor mudam uma pessoa. Estranha e boa sensação esta.