Fanfiction: Coragem #1
Quando entrei no parque, o calor abrasador de um dia intenso de Agosto já se dissipara e soprava uma brisa agradável que sabia muito bem. Percorri o trilho de gravilha, que serpenteava com alegria por entre os verdejantes relvados onde muitos locais aproveitavam para relaxar, depois de um dia de trabalho, enchendo os pulmões com aquele cheiro a erva acabada de cortar e fechando momentâneamente os olhos. Alguns pardais voavam de árvore em árvore, fazendo por vezes ligeiros desvios até ao chão, possivelmente em busca de alimento para as crias, que já seriam quase independentes.
A dimensão do parque era de perder de vista. Ao longe, alguns carvalhos escondiam um pequeno rio que atravessava toda aquela zona verde e onde muitas pessoas aproveitavam para se refrescar e para se divertir ao sabor da corrente bastante forte que aquele aparentemente inofensivo curso de água produzia. Os gritos entusiasticos das crianças eram audíveis ao longe, e, de tempos a tempos, conseguia vislumbrar alguém a passar por entre as árvores com um colchão insuflável ou uma prancha rígida debaixo do braço, a fim de se lançar de novo à água e se deixar levar durante umas quantas centenas de metros pela corrente.
Sentei-me num banco caiado de castanho, de frente para outro igual, no qual se acomodara uma senhora com um carrinho de bebé. Esbocei um leve sorriso, envolvida por toda aquela atmosfera fantástica que o Verão produzia e suspirei, feliz por me encontrar finalmente de férias. Cruzei as pernas, ajeitei os óculos de sol de encontro à cara e tirei um livro grosso da mala, abrindo-o na página marcada, deixando-me envolver pela história.
Pouco tempo depois, um senhor de idade sentou-se a meu lado e no mesmo instante, mãe e filho abandonaram o banco de frente para mim. Pelo canto do olho, incapaz de me concentrar totalmente no romance, observei o aproximar de dois jovens de estatura alta, fisicamente parecidos um com o outro, que ocuparam o lugar da senhora.
Levantei discretamente o olhar do meu livro, fingindo contemplar a vista em redor e espreguiçar-me mas não pude deixar de pousar os olhos naqueles dois belos seres descontraídos, que pareciam relaxar no parque como dois irmãos. Ambos traziam trelas nas mãos e rapidamente pude identificar três cães que brincavam por perto, sob o atento e carinhoso olhar dos donos.
O rapaz da direita tinha um longo cabelo escuro, atado no que me parecia ser uma mistura de rabo de cavalo e trança. A barba por fazer dava-lhe um aspecto mais rebelde, que condizia com as calças largas que trajava mas não com a camisa de manga curta, com quadrados vermelhos e brancos, que usava meia aberta, deixando transparecer um peito robusto e bem definido. Tinha um alargador em cada orelha e um piercing no lábio inferior esquerdo, sobre o qual passava regularmente a língua. Os óculos escuros tapavam-lhe os olhos e impediam-me de determinar a cor dos mesmos.
Mas foi o segundo rapaz que me despertou a atenção. Aliás, não só me despertou a atenção como fez o meu coração tropeçar numa das batidas, esvaziando por completo os meus pulmões de ar e fazendo-me ficar aflita, sentindo que estava a cair dentro de um buraco sem fim. Ele era ligeiramente mais magro que o amigo e usava uma t-shirt cinzenta bastante comum, umas calças escuras com duas correntes a penderem até ao joelho do lado esquerdo e algumas bijutarias ao pescoço, na sua maioria cruzes cristãs. A sua postura era um pouco mais rígida, não deixando de ser descontraída. Apoiava os antebraços nas costas do banco, colocando o peito tonificado para fora, sempre com um olhar atento ao que o rodeava. O seu cabelo era de um loiro abrilhantado, curto e bem aparado, que escondia debaixo de uma espécie de gorro que me parecia demasiado quente para a época. A barba, mais escura e da cor das fartas sobrancelhas atraentes, teria uns dois dias, mas não deixava de estar bem aparada e limpa, dando-lhe o aspecto de uma estrela de cinema. Nos lábios carnudos e cheios, especialmente o inferior, usava não um, mas dois piercings, um de cada lado. Junto ao sobrolho direito também tinha um discreto objecto redondo e brilhante, que se fazia acompanhar por outro na orelha do mesmo lado e mais quatro na do lado esquerdo. Os óculos de marca que usava não faziam efeito espelho como os do companheiro, permitindo-me seguir todos os movimentos dos seus globos oculares, apesar de continuar sem conseguir distinguir a cor que por detrás deles se escondia.
Embora o sol já não lhe batesse na cara, preparando-se para desaparecer por detrás da orla de árvores ao fundo do parque, o rapaz mantinha os olhos semi cerrados e uma ténue ruga desenhava-se-lhe na testa, como uma pequena e solitária onda do mar que cavalga sozinha ao sabor da brisa marítima. A claridade também já não era suficiente para obrigá-lo a diminuir o diâmetro da sua pupila, pelo que determinei que o jovem estaria preocupado com algo.
Segunda parte amanhã :)