No Coração um do Outro
Estou a aprender a deixar-te ir aos poucos. A cada dia que passa a tranquilidade cresce e nasce uma certeza de que vai aparecer outra pessoa que me mereça. A raiva dissipou-se e foi substituída por uma paz de espírito que há muito não tinha. A mágoa permanece mas é cada vez mais fácil viver com ela e a cada semana que se esgota ocupa um espaço cada vez menor no meu coração. No entanto, há momentos em que o meu subconsciente me prega partidas.
Já não sou capaz de ver uma carrinha Peugeot azul escura sem que o meu coração dê um salto. Ainda me lembro da matrícula de cor (alguma vez sequer suspeitaste que eu a tinha memorizado?). Os meus olhos de imediato se deslocam para a placa na frente ou na traseira da viatura para ter a certeza que não se trata da tua.
No domingo passado eram aos milhares as motas aqui paradas à frente de minha casa. Uma vez disseste-me que também costumavas deixar a tua neste mesmo passeio quando vinhas ver o nosso (nosso? Se calhar nunca houve nada nosso...) Sporting. E eu parecia uma tontinha, a circular por entre as motas enquanto passeava as cadelas, à procura de uma que tivesse uma cor bordeaux e as características da tua. Era quarta feira e sabia perfeitamente que às quartas trabalhas até tarde mas houve uma réstia de esperança que se acendeu no meu coração ao imaginar que poderias estar ali pertinho de mim e que, ao estacionares naquele local, o meu nome te pudesse ter surgido em pensamento.
Estou a deixar-te ir. Há dias que custam mais do que outros, ainda há momentos em que te culpo, me culpo a mim própria, amaldiçoou o universo e tudo o que nele existe. Há instantes em que é impossível não me recordar de algo que se relaciona contigo porque são tantos os sítios onde estivémos juntos, tantas as memórias que construímos nesta cidade e noutras pelos arredores, tantas músicas que ouvimos juntos no teu carro e sonhos que imaginámos deitados na minha cama. O capítulo chegou ao fim, a página até já foi virada. Mas às vezes, por entre esta nova folha que ainda está por escrever, ainda se lêem com grande detalhe todas as palavras de amor que deixámos escritas no coração um do outro.