Reflexo
Observo-os de forma discreta pelo canto do olho, num misto de felicidade, melancolia e também, devo confessar, um certo ciúme. A cumplicidade entre ambos é evidente, apesar de a tentarem esconder. De vez em quando ele dá-lhe um toque com o braço ou roça os seus dedos contra a pele dela e eu arrepio-me, quase como se fosse capaz de sentir de novo o contacto físico dos nossos corpos nas noites em que fazíamos juras de amor até de madrugada. Há sorrisos cumplices, risos nervosos, olhares que querem despir.
E eu pergunto-me se ela o ama em cada palavra que sai da sua boca como eu te amei (amo?). Questiono-me se ele absorve com o mesmo carinho todas as histórias que ela conta com um repuxar dos lábios para cima como tu o fazias (fazes?). Às vezes tenho dúvidas se não vem tudo da minha cabeça, se não quero à força imaginar algo que não existe, simplesmente para criar em meu redor uma história de amor como aquela que vivemos os dois. Mas não sou a única a reparar e por isso permito-me continuar a fantasiar sobre o que acontece quando saímos todos da sala e eles ficam sós, o que passa pela cabeça deles quando partilham um copo de champanhe em frente a toda a gente ou quando os surpreendo junto à máquina de café enquanto sorriem de forma cúmplice e trocam olhares a escassos centímetros um do outro.
Indago-me acerca das motivações de um e do outro. Será que existe mesmo amor? Ou é apenas luxúria? Como começou tudo isto? Será que as angústias dela são semelhantes às que eu sofri? Será que é uma história com um final semelhante à minha? Semelhante a todas as outras, no fim de contas?
Fico a matutar sobre o assunto e espero que não. Adormeço a pensar neles, com um sorriso no rosto, porque no fundo vejo o reflexo daquilo que fomos, da felicidade que encontrámos no peito um do outro. Será que os abraços dele lhe sabem tão bem quanto aqueles que me costumavas dar? Espero que sim.