Soubesse Eu
Soubesse eu que era a última vez que as rugas da minha pele se encaixavam com uma perfeição assustadora nas tuas, não te teria largado a mão. Os teus olhos encovados, fitando os meus já cansados, sorrindo na esperança de um amanhã que não chegou. Uma conversa breve, não mais do que quatro horas - a dona Adelina estava à tua espera para jogar dominó e eu cheia de ciúmes - relembrando os dias passados. Ainda ontem vínhamos de mãos dadas da escola e no entanto dizem-nos que já faz quase um século.
Soubesse eu que era a última vez que te voltavas para mim, com o braço a acenar como podia, sem o outro largar o andarilho, e teria fechado a sete chaves a porta por onde desapareceste. Nós, humanos, acreditamos que tudo é eterno, que somos imortais, que haverá sempre tempo para um último abraço, um último sorriso, uma frase final. Marionetas do tempo, à mercê de um relógio implacável que nunca gasta a pilha. Donos do mundo que na verdade é nosso há quatro segundos.
E o que não trocava eu por mais quatro segundos contigo? Por um sorriso que não se apaga, um olhar que não se esquece, um toque que fica gravado e uma memória eterna.